Muito se tem ouvido falar sobre o aumento da emissão de gases causadores de malefícios à camada de ozônio, inclusive no que diz respeito ao efeito estufa. Este, por sua vez, é o fenômeno natural de retenção do calor irradiado pela Terra por um manto de gases presentes na atmosfera.
Somente em 2004, 29 bilhões de toneladas de carbono foram emitidos pelo Planeta, em decorrência da utilização de fontes de energia fóssil, esperando-se um acréscimo de 50% até 2030.
Agora, portanto, é o momento adequado para se discutir o assunto, justamente após a publicação do 4º Relatório de Avaliação do IPCC – o painel dos climatologistas da ONU –, o qual assentou o aspecto inequívoco da mudança climática, obrigando os governos a agir.
Em 1997, o Protocolo de Kyoto surgiu como um desafio ao estabelecimento de metas para o combate aos problemas climáticos que assolam o Planeta. Assinado na cidade de Kyoto, no Japão, o tratado começou a vigorar somente em 2005, mediante compromisso das nações signatárias de implantarem medidas com o intuito de diminuir a emissão de gases poluentes na atmosfera.
O efeito estufa, que é imprescindível à sobrevivência humana, animal e vegetal, tornou-se um dos maiores problemas a ser enfrentado pelo homem, pois nunca foi tão complexo cumprir as metas rigorosas de diminuição da utilização de combustíveis fósseis. Em verdade, país algum quer retardar seu desenvolvimento, reduzindo tais emissões. Os países em desenvolvimento alegam que os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas grandes emissões de carbono são as nações desenvolvidas e, por isso, não têm de abdicar do seu crescimento, apesar de isto implicar mais poluição. Que fazer, então, para conciliar os interesses?
O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA
Desde muito tempo não se verifica mais abundância de recursos naturais, cujo esgotamento decorre da degradação do meio ambiente. Daí estarem enganados todos aqueles que criam não ter dono a natureza, podendo usufruir de seus recursos ilimitadamente, sem responsabilidades. Bem a propósito, meio ambiente "... é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas."
Tendo por objetivo tutelar o direito do homem a um meio ambiente equilibrado, o Direito Ambiental se caracteriza como um conjunto de princípios e regras que compreendem medidas administrativas e judiciais, visando a reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos ecossistemas de uma maneira geral.
Também nossa Constituição Federal, em seu art. 225, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Se não o fizer, a pessoa, física ou jurídica, será responsabilizada civil e criminalmente, na medida de sua conduta, conforme dispõe a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que versa sobre crimes ambientais e suas sanções.
Sucede que apenas leis nacionais não resolvem os graves problemas que afetam o Planeta. Assim, melhor via não existe senão a elaboração de um tratado que vincula os países signatários por meio de um ato jurídico, um acordo formal, com eficácia jurídica, gerando obrigações e prerrogativas. Daí a importância do Protocolo de Kyoto, que somente foi promulgado em 16 de fevereiro de 2005, logo após a Rússia ratificá-lo, dada a exigência da adesão de pelo menos 55% dos países desenvolvidos, e que, hoje, conta com mais de 160 países signatários, inclusive o Brasil, com importante posição no contexto do tratado.
Grandes conferências internacionais já haviam sido realizadas anteriormente, com o intuito de discutir os problemas ambientais, em especial a relevância dos estudos de impacto ambiental para o crescimento econômico, contudo, esbarrava a sua implantação nos interesses de certos países desenvolvidos que se sobrepunham aos dos países em desenvolvimento.
O PROTOCOLO DE KYOTO E SEUS OBJETIVOS
O Protocolo de Kyoto tem por objetivo reduzir e estabilizar o índice de emissões dos gases que acarretam o chamado efeito estufa, que é a principal causa do aquecimento global.
Com efeito, afirmam os cientistas que não se pode permitir que as concentrações de gás carbônico extrapolem 450 a 550 partes por milhão, ou o dobro do nível pré-industrial, pois isso aumentará em 3º C a temperatura da Terra, acarretando tragédias, como o descongelamento maciço da Groenlândia etc.
Referido protocolo se constitui, portanto, um acordo ratificado por mais de 160 países com o escopo de atenuar as abissais quantidades de gases responsáveis pelo efeito estufa, que nada mais são do que moléculas com aptidão de reter o calor irradiado pela Terra na atmosfera, aquecendo o Planeta. Os gases cujas emissões devem ser reduzidas são: dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4), hexafluoreto de enxofre (SF6), perfluorcarbonos (PFCs) e hidrocarbonos (HFCs).
Espera-se, com a implantação do Protocolo de Kyoto, uma cooperação internacional para se alcançar o equilíbrio ambiental. Os países signatários assumiram a responsabilidade de diminuir as emissões de gases na atmosfera de 5% a 8%, entre 2008 e 2012, cabendo-lhes adotar mecanismos internos visando tal objetivo, que deve realizar-se em harmonia com a condição sociocultural de cada sociedade e a envergadura econômica de produção destes fatores.
MECANISMOS DE DIMINUIÇÃO
O grupo de nações em desenvolvimento, liderado por Brasil e China, compõe-se de mais de 130 países, que vêm se negando a cumprir metas obrigatórias de redução de emissões. O bloco em questão, diversificado e bastante heterogêneo do ponto de vista econômico, expressa o entendimento de que a responsabilidade maior pelo aquecimento global é dos países desenvolvidos, não devendo os países pobres renunciar ao seu desenvolvimento.
Propõe o Brasil, tido como a potência verde do Planeta, que países com florestas tropicais aufiram compensação dos países industrializados, que se incluem no chamado Primeiro Mundo, e das economias de transição (ex-bloco soviético), pela concretização dos esforços para reduzir o desmatamento. Sugere, também, a criação de usinas hidrelétricas.
Dentre as medidas para redução da emissão de gases poluentes na atmosfera, recomenda-se que a China modernize suas termoelétricas, que consomem carvão, petróleo e gás natural; os fabricantes de eletrodomésticos produzam somente produtos de baixo consumo, e utilizem-se formas de energia mais limpas, como os biocombustíveis e as energias renováveis (solar e eólica). Há que se proceder, ainda, à correta fiscalização das empresas responsáveis pelas maiores emissões, multando quando preciso, mas, sobretudo, determinar-lhes que adotem medidas preventivas, já que não se deve pagar para poluir.
Cada país signatário do Protocolo de Kyoto deverá criar uma política de desenvolvimento que obrigue a adoção do estudo impacto ambiental, visando alcançar padrões sustentáveis de produção e consumo.
As queimadas na Amazônia correspondem a 75% das emissões nacionais e, para conter o desmatamento, já foi preciso acionar até mesmo a Força Nacional de Segurança Pública.
Com alguma dose de razão, declara Rajendra Pachauri, Presidente do IPCC – painel sobre mudança climática da ONU – e ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2007, que países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, devem cuidar de seus interesses mais urgentes, a exemplo do crescimento e do combate à pobreza, pois não é justo deles exigir a mesma responsabilidade na preservação ambiental que outros países em diferentes estágios de conforto e progresso. As responsabilidades não podem ser divididas em partes iguais...
CRÉDITOS DE CARBONO
Créditos de carbono se consubstanciam permissão para emitir, constante de certificado ofertado pelas agências de proteção ambiental, o qual é negociado junto às Bolsas de Valores, pela internet. Em geral, esses créditos são concedidos a grandes empresas de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Cap and Trade é um comércio de emissões, por meio do qual são estabelecidos limites para emitir e os excedentes comercializados entre empresas e/ou governos, de maneira que quem diminuir mais do que seu limite possa alienar direitos de poluição, ou créditos de carbono. Sob a alegação de que não conseguirão atingir suas metas, alguns países preferem investir em outros que possuam uma grande área de florestas, o que torna o Brasil um forte candidato.
Juridicamente, os créditos de carbono são classificados como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis, visto que não têm existência física, mas possuem valor econômico para o homem, já que são passíveis de negociação.
O Tratado de Kyoto alude à possibilidade de se recorrer aos créditos de carbono, chamados de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, contudo, o objetivo do acordo não deve ser olvidado, ou seja, a diminuição das emissões.
Os créditos de carbono permitem a compensação de emissões no aspecto financeiro, mediante aquisição por empresa de país menos desenvolvido, e com áreas de florestamento para absorção do gás, de um certificado consentindo-lhe que continue a emitir elevados índices de carbono no país de origem. Todavia, reduzir-se-á sua meta, já que ficará impedida de realizar emissões no país em que adquiriu o certificado.
860 projetos de MDL já estão em andamento em 49 países. 100 milhões de toneladas de CO2 já tiveram sua emissão evitada pelo mecanismo. China é a nação que mais vende este crédito e o Reino Unido um dos maiores compradores.
O Banco belgo-holandês Fortis pagou 34 milhões de reais à Prefeitura de São Paulo pelo Aterro Bandeirante, concedendo-lhe o direito de diminuir de suas metas o equivalente a 808 mil toneladas de CO2, quantia que o projeto impede que seja disseminada na atmosfera.
O Brasil obteve o primeiro crédito de carbono por plantar mata nativa, em projeto de reflorestamento da AES Tietê – São Paulo, precursor do tipo no Planeta. Para crescer, a árvore usa CO2 presente na atmosfera. Neste projeto, cada tonelada de gás carbônico que sai da atmosfera transforma-se em um certificado e, com a deliberação da respectiva Comissão da ONU, poderá ser alienada a países e empresas que tenham metas a cumprir.
Os créditos de carbono poderão patrocinar parte do desenvolvimento tecnológico. Aliás, as maiores economias do mundo deveriam investir 18 bilhões de dólares por ano em energia limpa, o dobro do que se gasta hoje.
José Goldemberg, Físico da Universidade de São Paulo e um dos coordenadores do estudo realizado por 15 especialistas de diversos países, assevera que a eficiência energética e uma maior distribuição de energia são os grandes desafios das próximas décadas. Segundo ele, "os países desenvolvidos, e também o Brasil, têm muita gordura para queimar em termos de energia, sem prejudicar a qualidade de vida das pessoas". A solução é investir em pesquisas que obtenham a extração do álcool por meio da celulose, com rentabilidade dez vezes maior.
AUSTRÁLIA, ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E O PROTOCOLO DE KYOTO
Não foram somente os EUA que deixaram de aderir ao tratado. A Austrália também não o ratificou. Kevin Rudd, primeiro-ministro eleito em novembro de 2007, prometeu ratificar o Protocolo de Kyoto.
Seu antecessor era terminantemente contrário por razões econômicas, visto que a Austrália é o maior exportador de carvão mineral do mundo, abastecendo mercados como o chinês e o indiano.
Os Estados Unidos da América são o único país industrializado a recusar-se à ratificação, embora respondam por mais de 25% das emissões feitas no mundo, atingindo a posição de um dos maiores poluidores da Terra. A justificativa do Presidente George W. Bush para não aderir ao tratado é que a ratificação afetaria a economia do país, abalando a competitividade. E, ainda, que não será possível adotar compromissos sem que China e Índia assumam obrigações, visto que, atualmente, estes dois países não estão obrigados pelo Protocolo de Kyoto a seguir metas, considerando que precisam emitir para desenvolver-se.
No tocante aos EUA, a previsão é que em 2010 as emissões tenham subido 26%. Em decorrência desta presciência, isoladamente, alguns Estados americanos tentaram criar leis com limites locais de emissão de gases do efeito estufa por carros, mas foram barrados pela EPA (agência ambiental federal dos EUA), sob a alegação de que regras independentes não podem se sobrepor a um pacote sobre energia lançado por Bush.
Suspeita-se que os Estados Unidos queiram criar as bases de um novo tratado para ter controle sobre as regras acordadas. Felizmente, o Congresso americano deverá mudar depois das eleições de 2008, ocasião em que também Bush dará lugar a outro presidente.
PÓS-KYOTO
De 3 a 14 de dezembro de 2007 reuniram-se em Denpasar, Ilha de Bali, na Indonésia, diplomatas de 190 países, inclusive da União Européia, para negociações acerca da elaboração de um novo tratado, em substituição ao Protocolo de Kyoto.
O encontro COP-13 é a décima terceira Convenção da ONU sobre o Clima e, na oportunidade, discutiu-se o regime internacional para redução dos gases causadores do efeito estufa após 2012, ano em que expirará o acordo de Kyoto.
Referido acordo precisa ser concluído até 2009 e suas regras serem implementadas de pronto, pois, se a temperatura subir mais de 2ºC em relação à era pré-industrial, os mantos de gelo da Antártida e da Groenlândia podem derreter, aumentando o nível do mar e inundando cidades como Londres e Recife, por exemplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As recentes calamidades climáticas têm mostrado ao homem sua magnitude em colaborar para tais ocorrências e, ao mesmo tempo, apontado sua pequenez para resolver os problemas que lhes dão origem. Sucede que, para se cumprirem os desígnios deste acordo, é necessário que nos reeduquemos, criando-se uma nova visão social de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente.
A tutela ambiental é reivindicação mundial. Sendo o homem o principal responsável pelas catástrofes verificadas no globo terrestre, deve a luta ser solidária, inclusiva, e com mudanças profundas no tocante ao comportamento humano.
Nesse passo, afigura-se fundamental a cooperação internacional, mediante compromissos assumidos em tratados, com força de lei, visando salvar o Planeta Terra, que, para continuar pulsando e oferecendo qualidade de vida aos seus habitantes, precisa urgentemente de mais ação.
Rafael Vitoreti