Passos Curtos

terça-feira, 7 de setembro de 2010


A passos curtos temos caminhado. Por durante muitos anos, o homem se viu aflito frente às desavenças e medos gerados por uma denominada “Guerra Fria”. Ditaduras espalhadas por todo o globo. Hoje, não nos vejo tão longe daquela época. Não a vivi, confesso, mas creio que nossos sentimentos não seriam muito diferentes dos de hoje.

Se estivéssemos ainda na guerra fria, teríamos medo constante de uma nova guerra mundial; de novos conflitos armados; de vermos nossas casas sendo invadidas por militares. Opa!, nesse caso, não temos mais tanto medo de serem invadidas as nossas casas por militares, mas temos excesso de medo de que, em qualquer hora, algum bandido qualquer, um jovem (provavelmente) que vive à mercê da sociedade desde que nasceu, pule nossos muros e adentre em nossa residência com intenções que nos afligem; jovem esse que não teve (muito provavelmente) um lar, uma família na forma de um pai ou uma mãe que lhe colocassem no colo lhe dando conselhos e afeto nos momentos de dificuldades, de dúvidas ou receios. Sem medo da morte, esses jovens seguem a vida aos seus modos. Hoje, vivemos acuados por vários medos e em todo o tempo!

Por todos os lados, o medo nos assombra, tornando-nos acuados. A qualquer momento podemos ver países sendo invadidos pelas mais infames desculpas. A qualquer hora do dia, famílias inteiras são mortas por motivos mais triviais. Pais, mães, filhos se perdem no caminho dos vícios, das drogas, da violência, do desamparo. Somos todos reflexo dos medos que criamos há anos e que não os deixamos ir. Construímos e perpetuamos a sociedade e as coisas que nos causam medo. Ainda somos vítimas dos mesmos (talvez um pouco mais modernos hoje em relação a outrora) medos de sempre.

Andamos a passos curtos. Estamos tendo dificuldades em ver nosso passado distante de nós, deixado para trás. Há séculos e séculos homens matam seus semelhantes. Antes era “olho por olho, dente por dente”; hoje nem mesmo temos um bordão qualquer. Antes, homens matavam quando iam às guerras, quando julgavam que sua honra havia sido afetada, ou que a honra de sua família havia sido atingida de alguma forma. Hoje, matam-se por nada. Por desavenças no trânsito. Por desavenças no esporte. Por desavenças do lar. Matamos como animais irracionais, mas nem os animais irracionais matam sem motivos. Eles matam para dar o que comer à sua prole, visando sua sobrevivência. Matamos hoje por qualquer motivo e, pasmem, por prazer até. Caminhamos a passos bem curtos. Alguns de nós nem mais caminham - ou por medo ou porque não sabem que avançar é parte de nosso objetivo na Terra.

Somos caminhantes errantes. Muitos de nós se crêem sem lugar para ir. Esses caminham sem vislumbrar qualquer lampejo de esperança. Caminhamos a passos curtos, embora a maioria de nós não o perceba ou nem se importe. Outrora éramos mais reflexivos. Sócrates e Platões não mais habitam nossas praças, pois ou têm medo de saírem às ruas ou não têm tempo de refletirem mais – pois, acredito, a internet e seus empregos têm tomado conta de todos os momentos de seus dias.

É fato: caminhamos a passos curtos, amigos! Mas sempre adiante. Embora o pessimismo nos assombre assim como o medo, a verdade caminha de mãos dadas conosco e o Bem Maior nos espreita a todo tempo não nos deixando perder as esperanças e os rumos da caminhada.

Adiante, companheiros. Adiante! Sempre em frente. Avante! A passos curtos ou não, mas cada um ao seu tempo, porém todos para frente...sempre para a frente, rumo a um futuro sem os medos que tanto nos corroem hoje. E ele há de chegar!

Pedro GuiSaX.

Sobre a imensidão


Olho para o céu

Percebo a imensidão

A chamar-me pelo nome

Ao alcance de minha mão

Tento tocá-la

Infringindo a lei de Deus

Mas vejo que

por mais que esteja perto

Mesmo se eu tentar

Será apenas ilusão

Tocar o infinito

é sonhar um sonho em vão

Num vôo alto

Tal qual gavião

Afasto-me da realidade

Desprendo-me do chão

Em busca da infinitude

Daquela imensidão

Mas nada!

Pleno em lágrimas

Percebo a decepção

De ter sido

por um instante

Enganado

Traição!

Há pouco me via lá

Só o céu a me olhar

E nada eu toquei

Por que me esforçar?

Te digo que tentei

Mas sem nada a declarar

Voltei, assim, sozinho

Mas novo

Pois percebi que o céu

É algo além

Da minha imaginação

E da sua também.

A imensidão é um sonho

Um brinquedo nas mãos de Deus

E nós aqui pensando

Onde estamos indo?

Pra onde caminhamos?

A resposta é simples

Não há nada a encontrar

Pois não se encontra com um sonho

Ele se nos agarra

Pelos pés, mãos

Nos prendendo no chão

E, enfim, a realidade.

É, amigo,

Não se atenha a sonhar

E sim, se concentre no caminhar!

Pois sonhando o tempo passa

E com ele, nós também

À espera de algo

Que nos veio de Belém

E permanece entre nós

Sem ser visto por ninguém.

Pedro GuiSaX.

Conselhos de um alguém

A graça da vida não é privilégio do homem. Nem a dádiva da morte. Ou a dádiva da dor. Ou as dádivas dos sofrimentos e alegrias terrenas. Todos somos filhos de Deus, ao nosso modo. Como seres humanos ou não, dignos, todos somos, das graças divinas para conosco. O amor, outra das graças proporcionadas e ofertadas aos seres, é imensidão de bênçãos espalhada pelos caminhos da labuta terrena. Em meio a tantos martírios e venturas, fazemo-nos mais ou menos felizes de acordo com o tanto de amor que a todos ofertamos. Ofertemos amor, meus caros. Ofertemos tudo o que pudermos aos que pouco tem, mas que muito se sentem necessitados. Nessa lógica, muito bem lembrou-nos nosso mestre Jesus quando nos disse para ofertarmos a outra face aquele que nos esbofeteou uma delas. Perdoemos ao outro! Perdoemos sempre! Oremos pelo outro! Oremos sempre! Amemos a todos, também sempre! Pelo amor e por amor seremos felizes, pois o amor é imensidão de paz que nos ronda quando dele usufruímos e fazemos valer em nossos corações através dos atos de afeto para com todos os seres. Não separemos nossos alvos de amor. Não tornemos distintos esse ou aquele ser a ponto de direcionarmos nossos atos. Ofertemos amor, apesar de tudo. Ofertemos aos seres humanos, nossos semelhantes, bem como aos demais animais e coisas desse mundo em que habitamos. Ofertemos esse amor a todos, apesar dos atos de uns que nos não pareçam corretos. O certo e o errado não nos pertencem, não nos cabe julgar, mas sempre nos pertencerá nossa oportunidade de ofertar amor e paz aos que nos ladeiam na caminhada.

Amemos a todos. Sejamos bem aventurados, segundo o Cristo nos pediu e nos ensinou. Não será por falta de ensinamentos que erraremos, mas sim por nossas falhas de compreensão. Saibamos usar a dádiva do livre-arbítrio trazendo o bem para nossos corações. Tornemos a nós todos fiéis seguidores dos atos do Cristo. Façamos em nós a diferença que esperamos para o mundo. Somemos nossos atos de caridade com os dos outros. Amemos somando nosso amor aos demais amantes do mundo. Façamos o bem, sempre! Agreguemos bem estar às vidas de todos. Nunca julguemos o alvo de nossos afetos. Nunca deixemos de ofertar aquilo que gostaríamos de receber. Sempre e sempre doemos a nós mesmos ao mundo, conforme Jesus nos pediu. Não subimos à cruz para pagar nossos pecados, mas deixar de ofertar o amor que Ele nos ensinou, é criar novas cruzes para serem carregadas pelo mundo já tão escarnecido pelo males que se nos interpõem por durante a caminhada.

Pedro GuiSaX.

Carta de um simples caboclo

Caro Deus,

O que está ocorrendo com o mundo? O que foi feito daquilo que criastes? Não me reconheço em tua criação. Nada mais me desperta curiosidade no homem, mas em muito descubro o medo por ele. Não sabia eu que tuas mãos, que há muito trabalharam na criação de tudo isso o que vejo enquanto lhe escrevo estariam em descanso um dia. Deus, tu te esqueces de nós ou nós nos esquecemos de ti? Quem mais negligencia o outro? Perdão Deus, por minhas dúvidas, mas sou apenas um ser assustado pelas conseqüências de Sua criação.

Senhor, tenho tido dificuldades em encontrar homens bons. Há muito não me recordo de quando vi um homem feliz. Tenho medo do amanhã, confesso. Falta-me fé? Há muito tenho medo do homem, meu semelhante. Falta-me a coragem? Não sei mais onde me esconder, Senhor! Nem te digo o quanto sofro por isso, pois tenho certeza que estás muito ocupado. Mas olhe por nós, Deus. Sei que são muitos os mundos, os planetas e é grande o universo, mas tende piedade de nós, tão pequeninos aqui na Terra.

Quando oro, quero sentir a certeza de que estás ali, no silêncio de meu coração e no desalinho de minha mente. Senhor, se tiveres tempo, venha nos visitar. Agradeço pela natureza, que criaste e que nos dá de comer. Agradeço pela terra, que nos sustenta os pés e nos dá os frutos de nosso trabalho. Agradeço pelos animais, que nos fazem relembrar que ainda podemos ser honestos com a natureza, mesmo tendo de usufruir dela. Agradeço pelas religiões, pois graças a elas sabemos que a tolerância e o respeito devem superar qualquer discussão. Agradeço por poder falar contigo, pois assim sei que não estou só. Agradeço pela solidão que às vezes me persegue, pois assim sei que tenho que ser melhor a ponto de nunca perder a fé. Agradeço pelas crianças, que nos fazem perceber que a vida é mais bela que nos parece e que somos culpados pelo mundo que construímos para elas. Agradeço pelos homens de bem que nos fazem perceber quanta culpa temos pelas mazelas de nossos dias. E agradeço-te pela paciência para conosco, pois assim sei que não precisamos ainda perder as esperanças no homem.

Desde já, agradeço-te por ter lido essa humilde carta.

Desculpe-me se deixei transparecer alguma falta de fé, mas sou apenas um humano, Senhor. Porém saiba que sempre confiarei em ti.

Não te esqueças de mim nem de meus irmãos de caminhada.

Ass: um de teus filhos.

Brasil, Uma Ditadura Pós Moderna!

terça-feira, 27 de julho de 2010

"Nesses tempos pós-modernos, o Brasil envereda por uma ditadura ‘quase invisível’ e de difícil constatação para o cidadão comum, porque ela se apresenta sem as características de épocas passadas. Nos antigos regimes autoritários, nem tão antigos assim, inexistiam eleições diretas para os governantes, os opositores eram perseguidos e ‘desapareciam’, os braços armados do Estado impunham o controle social e a imprensa era censurada, encobrindo as barbaridades dos donos do poder.

Os três poderes do Estado eram concentrados nas mãos do ditador, chamado de presidente, digno representante da elite econômica do País, apesar de existência formal do Legislativo, Executivo e Judiciário. As ditaduras passadas patrocinaram, ainda, anos perdidos, em virtude de políticas econômicas suicidas, onde o povo era exterminado, paulatinamente, a cada plano econômico, e o País abdicava de sua soberania para ser ‘defendido’ pelo ‘Tio Sam’, paladino da perversa economia de mercado e combatente dos ‘endemoniados’ socialistas.

Para o pensador italiano Norberto Bobbio (1986), a democracia dos idos atuais caracteriza-se pela alternância de classes dominantes no poder, mostrando, assim, a sua descrença na chegada dos dominados àquele, mediante os mecanismos da democracia burguesa. No Brasil, desde o golpe de 1º.4.1964 não existem mudanças de elites no poder, somente uma persiste encastelada ali."

O formato atual do Estado, com a existência de três poderes inde-pendentes e harmônicos, surgiu devido às revoluções burguesas para dar fim à acumulação das funções estatais na pessoa do rei absolutista. Todavia, recentemente no Brasil, assistimos a um fenômeno inverso, ou seja, o retorno, em padrões "inovadores", da concentração dos poderes do Estado no chefe Executivo, originando, assim, um presidencialismo imperial ou uma ditadura pós-moderna.

Nas ditaduras atuais, o presidente imperial não pode ser contrariado, vigora o "mito" da idéia única, encarnada na "glória" da economia de mercado, com sua sanha consumista e na implantação da globalização, ou melhor, da renovação do pacto colonial em bases pós-modernas. Ser oposição, ou simplesmente discordar, é um sacrilégio, gera reações dos detentores do sistema, via seus veículos de comunicação, orquestrados para perpetuar a domesticação social e ridicularizar os inimigos. Isto, sem contar com os cortes de verbas e os rigores da lei para os adversários.

Os Poderes Legislativo e Judiciário também não exercem as suas funções de fazer as leis e julgar os conflitos sociais, respectivamente, como idealizou Montesquieu. Em nosso "autoritarismo civil", o Executivo subtrai do Legislativo a missão de legislar por intermédio da eclética representatividade de seus pares, editando as vergonhosas medidas provisórias, que de provisórias só têm o nome, e igualmente os famigerados decretos-leis das ditaduras Vargas e militar, normatiza todas as matérias de Direito, desobedecendo à Carta Magna de 1988 (art. 62).

O Legislativo não só permite o uso arbitrário das medidas provisórias, mesmo tendo competência constitucional para frear os abusos, exigindo o cumprimento dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, mas, também, curva-se, em sua maioria, aos caprichos do rei/presidente, votando de acordo com seus desejos, em virtude da força extraordinária do orçamento estatal (onde se distribuem benefícios aos aliados), da distribuição fisiológica de cargos públicos, e para manter o sistema socioeconômico excludente para inúmeros e benevolente para poucos. Caso o legislador não vote ao sabor das ordens do "soberano", provavelmente cairá no ostracismo, será execrado pelos donos do poder e varrido do mapa político na próxima eleição.

O Judiciário, em nossa ditadura pós-moderna, também perdeu a independência para julgar os conflitos à luz do Direito. As escolhas dos membros dos tribunais superiores, por vezes, não obedecem aos critérios de mérito pela carreira jurídica, mas sim a outros, tais como a capacidade do escolhido em "juridicizar" os atos do Executivo. E em alguns julgamentos, as decisões prolatadas não estão de acordo com os comandos constitucionais, e sim com a vontade política dos dominantes (STF e o apagão).

As eleições no presidencialismo imperial são utilizadas como fantasia social, seus resultados são previsíveis, ganham sempre os homens do regime, e quando são imprevisíveis, mudam-se as normas eleitorais. Ademais, é freqüente os ocupantes do poder, via manobras múltiplas, escolherem seus adversários dentre os opositores, e desta forma encenam o jogo democrático, garantem o discurso de autoridade e impõem a pseudolegitimidade de um governo, nitidamente privado, em que o dinheiro é o grande precursor da democracia.

Como no passado, a ditadura pós-moderna gera milhares de seres humanos descartáveis, implantando o holocausto social a cada política econômica genocida, efetivada ao prazer do "poder invisível", ou melhor, do poder econômico privado, os reais ditadores e donos da nação, já que para eles a divindade é o lucro, e as trevas, o bem-estar social entre os homens.

O "autoritarismo civil" da atualidade continua pagando uma dívida externa impagável e já paga, há muito tempo, por nós. Graças à mágica dos juros extorsivos, a dívida só aumenta. Portanto, continuamos curvados diante do cassino global dos bancos internacionais, liquidando nossas riquezas naturais, aniquilando a soberania e semeando a miséria, para pagar o que não mais devemos.

"Por sinal, não é por obra dos deuses que a miséria aumentou no País. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU de 2001, o Brasil está no 69º lugar, das 162 nações pesquisadas, atrás da Argentina, em grave crise econômica desde o final do século passado, e da Colômbia, em guerra civil há anos. Em matéria de acesso da população aos avanços tecnológicos estamos, também, pessimamente colocados, ou seja, no 43º lugar, entre 72 países investigados."

O megapoder do Executivo tem inúmeras razões de ser, mas explica-se, em parte, pela necessidade de o Estado intervir no domínio econômico e social, numa economia de mercado, onde a lei de oferta e procura não funciona naturalmente, ficando inviável aquela sem a ação estatal, devido às demandas e interesses plurais e conflitantes, sempre à espera de normas adequadas e imediatas. Sendo o Legislativo naturalmente lento, pela sua diversidade de representação política, e pouco familiarizado para normatizar tais interesses antagônicos, principalmente as matérias econômicas, a missão foi "absorvida" pelo Executivo.

A execução do orçamento pelo Executivo é ainda um grande instrumento do agigantamento de seu poder. Por intermédio do gasto do dinheiro público se ativam ou inibem setores da economia, influenciando o processo produtivo, podendo gerar, assim, riqueza para alguns e aparthaid social para muitos, ou a cassação dos privilégios de poucos e a justiça distributiva para todos.

De acordo com o nosso Direito positivo, a lei de orçamento depende da do plano plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, todas de competência exclusiva do Executivo para sua iniciativa, e apesar de serem aprovadas pelo Legislativo, tal competência reforça, ainda mais, o megapoder daquele.

Paralelamente, o Judiciário não está aparelhado para julgar os conflitos que envolvem as normas de Direito Econômico, nem para enfrentá-las. A sua lentidão e seu pequeno envolvimento com tais normas levam à insegurança jurídica, dilatada pelas constantes mudanças e especificidades técnicas daquelas, facilitando, assim, as aberrações legais e o avanço do presidencialismo imperial.

Hoje, apenas a existência formal dos três poderes não garante mais a separação das funções do Estado, nem muito menos a democracia. Mesmo porque o Estado ganhou outras competências e missões, sendo ineficazes os atuais três poderes para dar sustentáculo à democracia.

Existe a necessidade de criarmos novos centros estatais de poder, democráticos, eficazes, com participação social plural, e dotados de capacidade de decisão, para juntarem-se aos três poderes de Montesquieu. Um deles poderia ser o "Poder Econômico", ou seja, o 4º poder, que seria implantado nos municípios, Estados e União, com a função de regulamentar suas políticas econômicas, contribuindo assim para o definhamento das ditaduras pós-modernas, bem como de seus mecanismos e tecnologias de dominação, próprias da sociedade do século XXI, a fim de conquistarmos uma democracia real e socialmente justa.
Rafael Vitoreti

O Rei Justo

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sintetizo uma lenda lembrada por Rui Barbosa e que Alfredo Buzaid usou como peroração em um dos seus famosos discursos.

O Imperador Alexandre, nas suas conquistas, foi dar em uma região florida e alegre. Simpatizou com o povo especial que ali habitava e pretendeu conhecer-lhe a vida, sobretudo a respeito de que maneira o soberano distribuía a justiça. Foi, por isso, fazer uma visita ao rei e assistiu ao seguinte episódio.

Procuravam o rei dois súditos. O primeiro declarou que havia comprado do outro um terreno para nele edificar uma casa, mas ao cavar o chão deu com um tesouro de ouro, prata e pedras preciosas.

Entendendo que o tesouro pertencia ao antigo proprietá­-rio, intentou devolver-lhe. O segundo súdito, no entanto, afirmou que tinha receio de ficar com o que não lhe pertencia. Afinal, havia vendido o imóvel com tudo que ali se continha.

O rei meditou e dirigiu-se ao primeiro: – Não terás um filho? – Sim, respondeu o súdito.

E para o segundo: – E tu, não terás alguma filha? – Graças a Deus, sim.

Decidiu o rei: – Vede se os dois não quererão desposar. Caso o queiram, dai-lhes em dote o tesouro. Se não, dirigindo-se ao primeiro, soterra de novo essa riqueza no sítio onde te deparara e edifica aí a tua casa.

O imperador manifestou a sua estranheza e disse que em sua terra o caso seria resolvido de maneira diferente: ambos os pleiteantes seriam exilados e o tesouro confiscado.

O rei ergueu os olhos para o céu e voltou-se para o macedônio: – E luz o sol em tua terra? E chove sobre ela? – Sim, assentiu o Imperador.

Replicou-lhe o rei: – Então é para as alimárias do campo que cai a chuva e alumia o sol em tua terra. Porque homens embusteiros e injustos não são dignos dos benefícios do céu.

Quais as lições desta lenda? O macedônio é o símbolo da violência. O rei é o espírito de justiça. O conquistador trata os homens como párias da sociedade. O rei deles cuida com igualdade e dignidade. O macedônio sacrifica a paz social em benefício dos bens materiais. O rei sacrifica os bens materiais em benefício da paz social.

Nos tribunais e nas escolas de direito, nas sentenças e nas aulas, na criação doutrinária, na escritura de livros jurídicos, nas petições, nos memoriais, nas sustentações orais, o jurisconsulto ou o advogado, o juiz ou o professor, o delegado de polícia, o membro do ministério público, onde quer que esteja o sacerdote do direito, em qualquer dos seus templos, deve ter em vista a justiça, abominar o conquistador e cultuar o rei justo.

A paz social vem antes de tudo, com ela a liberdade, a igualdade e a fraternidade. A aplicação do direito há de ser sempre um exercício da prudência, da fronésis grega, do equilíbrio para harmonizar interesses, não para exacerbar os conflitos. A luta pelo direito é incompatível com a guerra, com a desordem perturbadora da paz social, com a luta de classes, com a revolução, com a movimentação social desenfreada e incitada pela ideologia. O progresso social do direito resulta da atuação do rei justo, não do conquistador alienígena ou pátrio. O conquistador é o símbolo do Estado ganancioso para arrecadar e perverso para com o povo e as pessoas. O rei justo é o direito encarnado na autoridade, que se fundamenta na lei natural refletida na razão humana. O impulso irracional na busca do humano representa um grande risco, ainda que se intente uma justiça subjetiva qualquer, e pode gerar a tirania. Até as revoluções, exploradoras das contradições sociais e econômicas, fundadas na ação, sem limites éticos ou espirituais, para a transformação do mundo na direção de um novo regime político, não obstante eventual arcabouço doutrinário, representam um caminho estranho à seara jurídica.

Não se aplique, aqui, o argumento da resistência aos governos injustos, porque ela jamais pode resultar na concreção da violência. Hoje, o desprezo pela lei ou o julgamento da sua bondade, por motivações políticas, ainda que explicáveis, refletem o arbítrio do conquistador, mesmo revolucionário, não o rei justo da prudência e da paz.

Rafael Vitoreti.

A Questão Espírita do Aborto

terça-feira, 13 de julho de 2010

A questão do aborto é tormentosa, porque mexe com uma profunda angústia humana: não temos ainda um conceito definitivo de vida.

É verdade, não faz muito tempo, realizamos grande façanha, mapeando os genes humanos. Deciframo-nos biologicamente, mas ainda não fomos capazes de decifrar o enigma da vida.

Seu conceito reclama um enfoque multidisciplinar e, se uma síntese um dia for possível, necessariamente será fruto de amplo acordo entre a Ciência e a Filosofia. Um feito bem mais importante do que o festejado mapeamento do genoma humano.

Podemos dizer que todas as nossas inquietações em torno da vida e da morte derivam desse vácuo, do fosso de ainda não nos havermos decifrado. Dois mil e quinhentos anos pós-Sócrates, não fomos capazes de atender sua conclamação de conhecermos a nós mesmos.

O início e o fim do que convencionamos chamar VIDA, para efeitos biológicos e jurídicos, nem sempre têm fechado com aquilo a que nossas experiências e perquirições filosóficas nos têm conduzido.

Legitimamente, permitimo-nos ajuntar outros fatores ao conceito de vida, os quais extrapolam o campo da Biologia e não são levados em conta pelo Direito positivo.

Faz bem em desconhecê-los o Direito. Não lhe restou outro caminho. A modernidade colocou-nos num terrível dilema. Tendo ela sucedido a um longo período em que a Filosofia se tornara serva da Teologia, o homem moderno precisou optar entre o conhecimento científico, provisório e mutável, e os dogmas impingidos como definitivos e imutáveis. A vida, assim, dicotomizou-se no sagrado e no profano. Nesse partilhamento, as questões do espírito passaram ao domínio da religião, e as da matéria, em que aparentemente se situa a vida, foram confiadas à gestão da sociedade politicamente organizada.

Estavam demarcados os dois campos em que se movimenta a modernidade: a visão religiosa e a secular. Mas quem disse que o espírito é propriedade da religião? Muito antes desse apossamento, a Filosofia cuidara dele com melhor competência.

Há, na história do pensamento, rica tradição filosófica iniciada com Sócrates e Platão e que fluiu, na modernidade, com o pensamento de filósofos idealistas. Nela, cuida-se da realidade humana, justamente a partir do espírito e se sintetiza aí a mais íntima e ampla identidade humana, de conformidade com Kant, Schopenhauer, Leibniz, Espinosa e tantos outros. Na literatura, fizeram-lhes coro Shakespeare, Victor Hugo e muitos mais.

Por que desprezar essa contribuição? Por que a falta de coragem de enfrentar o materialismo científico pós-moderno, permitindo-nos indagar sobre o homem a partir daquilo que lhe é mais real, vivo e concreto: o espírito? Comodamente, tachamos tudo o que a ele se refere como coisas da religião, pertencentes aos imperscrutáveis domínios da fé.

No século 19, atento a essa tendência, um pedagogo francês propôs a realização dessa síntese no que denominou espiritismo. No Brasil, a proposta encontrou excelente ressonância, mas não deixaria de sucumbir à avassaladora dicotomização a que se submeteu toda a realidade humana.

Como tinha de escolher um lado, assumiu a condição de religião. Perdeu com isso. Sempre que temas tão importantes, como o do aborto, vêm à baila, é levado de roldão a associar-se às atitudes mais retrógradas e fundamentalistas na suposição de que essa é a melhor companhia para seus postulados filosóficos em defesa da vida.

Não é. O espírito, como realidade fundamental, sugere atitudes de humanismo que não se compatibilizam com os dogmas religiosos. Leva, por exemplo, a admitir que, no processo de gestação da vida biológica, podem se contrapor direitos naturais de diferentes sujeitos, como a gestante e o nascituro. E que não é justo sacralizar os de um em detrimento dos do outro. Como o faz a fé.

Não só entre os espíritas, mas disseminadas por toda a sociedade, pessoas orientam suas posições diante da vida a partir da realidade fundamental do espírito como entidade preexistente à vida física.

Defendem que essa condição, diversamente do dogma religioso da criação da alma no momento da concepção, conduz a atitudes mais tolerantes e humanistas. Vislumbram no fenômeno da vida um processo dinâmico, teleológico, que, em qualquer circunstância e malgrado acidentes de percurso, conduzirá a um estágio de felicidade e plenitude a que todo indivíduo tem direito.

Mas os que assim pensam restaram condenados ao silêncio. Não são chamados a opinar sobre as grandes questões da vida, porque o espírito foi seqüestrado pelo formidável conluio pós-moderno materialismo/religião.

Rafael Vitoreti

A Amazônia e o Desmatamento

A Região Amazônica é uma questão de soberania nacional. Deve, portanto, o Governo Federal agir com rigor contra a tentativa de internacionalização do território.

Essa é a lição que se extrai da argumentação expendida por especialistas no assunto, que conclamam as "forças patrióticas da Nação" a lutar em defesa da Hiléia de Humboldt.

Desenvolver economicamente a Região Amazônica e ao mesmo tempo preservar a sua cobertura florestal – parece um sonho quase impossível diante do modelo econômico que está sendo posto em prática naquela que é a mais importante bacia hidrográfica do Planeta.

O modelo econômico que adotamos atualmente para a Amazônia consiste basicamente em retirar a madeira comercializável, explorar a pesca industrial, devastar a mata para formar pasto ou para disseminar campos agrícolas. O resultado disso é que já destruímos 18% dos 4,55 milhões de quilômetros quadrados que estão em solo brasileiro. Até onde chegaremos?

O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, alarmado com o aquecimento global e seus efeitos também sobre aquela região, prontamente fez a advertência: Este "tesouro da Terra" está "sufocando" e poderá se transformar numa savana...

Os nove Estados que integram a Amazônia brasileira, por suas bancadas na Câmara, e com o apoio de ministérios e demais comissões parlamentares, acabam de realizar o I Simpósio Amazônia e Desenvolvimento Nacional, com o objetivo de tornar efetivas as ações do "Plano Amazônia Sustentável", lançado desde 2003 pelo Governo Federal e ainda sem funcionar adequadamente. A Amazônia é um território complexo e que pode ser dividido em três grandes conjuntos estratégicos. O primeiro deles constitui o seu fantástico patrimônio biológico, onde se situa um terço das florestas tropicais do Planeta e estão cerca de 30% da diversidade biológica mundial, portanto, com imenso potencial genético. Somente para a atmosfera, a massa vegetal ali existente libera, por ano, sete trilhões de toneladas de água por meio de um processo chamado de evapotranspiração; o segundo diz respeito ao seu fabuloso patrimônio hidrológico, com cerca de um mil e cem afluentes por onde fluem, aproximadamente, 20% da água doce do Planeta e 80% da água disponível no Brasil; o terceiro desses conjuntos estratégicos está relacionado ao seu incrível patrimônio geológico. Ao lado das gigantescas reservas de minérios tradicionais encontram-se os minérios com potencial para novas aplicações tecnológicas, como o nióbio e o titânio. No entanto, a par dessa riqueza exuberante que a natureza e a história nos legaram, não se pode desconhecer, dada a sua extraordinária e superior importância, o espetacular patrimônio humano ali existente, constituído pelo expressivo contingente de povos indígenas e populações tradicionais nas quais se incluem seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e extrativistas de um modo geral. É a Amazônia, fundamentalmente, a terra dos povos amazônicos, detentores que são de apreciada riqueza étnica e cultural.

A problemática em relação à Amazônia – por tudo o que representa esse espetacular patrimônio socioambiental para o equilíbrio do ecossistema, no Brasil e no Planeta –, pode ser representada pelos seguintes questionamentos:

Como construir um modelo de desenvolvimento econômico que respeite e preserve este "tesouro da Terra"?

Por que o desenvolvimento do Brasil passa, obrigatoriamente, pela preservação e pelo desenvolvimento da Amazônia?

Ora, o desenvolvimento da Amazônia não pode estar ligado, simplesmente, à extração madeireira e mineral, aos campos de gado, às áreas agrícolas ou à exploração do pescado. Isso tudo seria pequeno demais diante da grandeza daquele importante território. O País tem 165 mil quilômetros quadrados de área desflorestada, abandonada ou semi-abandonada, pronta para ser utilizada e capaz de dobrar a nossa produção de grãos. A política que devemos lá adotar é a da inovação tecnológica que possibilite a sua apropriada exploração científica. O desafio, assim, é científico e tecnológico, com incentivo e financiamento à bioprospecção e à bio-indústria, apoiada em recursos genéticos regionais. Por aí passa o desenvolvimento amazônico. Este deve ser o caminho para a riqueza e o desenvolvimento. Da energia gerada por fotossíntese, por exemplo, podemos conseguir alimentos, combustíveis, química verde, fármacos e cosméticos. Da energia gerada pelos rios podemos resolver, em grande parte, a crise do setor energético, a exemplo da Hidroelétrica de Tucuruí, em pleno Rio Tocantins. É possível desenvolver sem desmatar e assim gerar riquezas, emprego e renda, sem agressões consideráveis ao meio ambiente.

A Constituição Federal traz, no art. 225, § 4º, os parâmetros que deveriam nortear uma interpretação mais consentânea com a fenomenalidade desse patrimônio socioambiental: A Floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

A par desse dispositivo constitucional, o Brasil possui, reconhecidamente, um dos mais exigentes e modernos sistemas legislativos para a defesa da natureza e de seus santuários. Ora, o atual modelo de desenvolvimento não está assegurando a preservação do meio ambiente, e não há nenhuma contestação, entre nós, quanto a este fato. Pelo contrário, ambientalistas denunciam, quase diariamente, as ações devastadoras perpetradas na Hiléia de Humboldt. Estamos, dessa maneira, violando preceito constitucional que deveria estar sendo rigorosamente obedecido. Além disso, o Brasil é signatário dos mais importantes tratados internacionais que versam sobre a preservação ambiental.

Não podemos oferecer pretexto para que malucos continuem a propor, pelo mundo afora, a internacionalização da Amazônia, como o fez Pascal Lamy, em 2005, quando era Diretor da Organização Mundial do Comércio – OMC.

Vamos, pois, construir um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que privilegie os recursos tecnológicos e científicos mais avançados. Não podemos adotar, como parâmetro para a região, o mesmo modelo de desenvolvimento utilizado no Sul do País, no Centro-Oeste ou no Nordeste. Isso seria irracional em termos de Amazônia e, conseqüentemente, indigno das atuais e futuras gerações.

Rafael Vitoreti

O Tratado de Kyoto frente a Proteção Ambiental

Muito se tem ouvido falar sobre o aumento da emissão de gases causadores de malefícios à camada de ozônio, inclusive no que diz respeito ao efeito estufa. Este, por sua vez, é o fenômeno natural de retenção do calor irradiado pela Terra por um manto de gases presentes na atmosfera.

Somente em 2004, 29 bilhões de toneladas de carbono foram emitidos pelo Planeta, em decorrência da utilização de fontes de energia fóssil, esperando-se um acréscimo de 50% até 2030.

Agora, portanto, é o momento adequado para se discutir o assunto, justamente após a publicação do 4º Relatório de Avaliação do IPCC – o painel dos climatologistas da ONU –, o qual assentou o aspecto inequívoco da mudança climática, obrigando os governos a agir.

Em 1997, o Protocolo de Kyoto surgiu como um desafio ao estabelecimento de metas para o combate aos problemas climáticos que assolam o Planeta. Assinado na cidade de Kyoto, no Japão, o tratado começou a vigorar somente em 2005, mediante compromisso das nações signatárias de implantarem medidas com o intuito de diminuir a emissão de gases poluentes na atmosfera.

O efeito estufa, que é imprescindível à sobrevivência humana, animal e vegetal, tornou-se um dos maiores problemas a ser enfrentado pelo homem, pois nunca foi tão complexo cumprir as metas rigorosas de diminuição da utilização de combustíveis fósseis. Em verdade, país algum quer retardar seu desenvolvimento, reduzindo tais emissões. Os países em desenvolvimento alegam que os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas grandes emissões de carbono são as nações desenvolvidas e, por isso, não têm de abdicar do seu crescimento, apesar de isto implicar mais poluição. Que fazer, então, para conciliar os interesses?

O MEIO AMBIENTE E SUA PROTEÇÃO JURÍDICA

Desde muito tempo não se verifica mais abundância de recursos naturais, cujo esgotamento decorre da degradação do meio ambiente. Daí estarem enganados todos aqueles que criam não ter dono a natureza, podendo usufruir de seus recursos ilimitadamente, sem responsabilidades. Bem a propósito, meio ambiente "... é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas."

Tendo por objetivo tutelar o direito do homem a um meio ambiente equilibrado, o Direito Ambiental se caracteriza como um conjunto de princípios e regras que compreendem medidas administrativas e judiciais, visando a reparação dos danos causados ao meio ambiente e aos ecossistemas de uma maneira geral.

Também nossa Constituição Federal, em seu art. 225, estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Se não o fizer, a pessoa, física ou jurídica, será responsabilizada civil e criminalmente, na medida de sua conduta, conforme dispõe a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que versa sobre crimes ambientais e suas sanções.

Sucede que apenas leis nacionais não resolvem os graves problemas que afetam o Planeta. Assim, melhor via não existe senão a elaboração de um tratado que vincula os países signatários por meio de um ato jurídico, um acordo formal, com eficácia jurídica, gerando obrigações e prerrogativas. Daí a importância do Protocolo de Kyoto, que somente foi promulgado em 16 de fevereiro de 2005, logo após a Rússia ratificá-lo, dada a exigência da adesão de pelo menos 55% dos países desenvolvidos, e que, hoje, conta com mais de 160 países signatários, inclusive o Brasil, com importante posição no contexto do tratado.

Grandes conferências internacionais já haviam sido realizadas anteriormente, com o intuito de discutir os problemas ambientais, em especial a relevância dos estudos de impacto ambiental para o crescimento econômico, contudo, esbarrava a sua implantação nos interesses de certos países desenvolvidos que se sobrepunham aos dos países em desenvolvimento.

O PROTOCOLO DE KYOTO E SEUS OBJETIVOS

O Protocolo de Kyoto tem por objetivo reduzir e estabilizar o índice de emissões dos gases que acarretam o chamado efeito estufa, que é a principal causa do aquecimento global.

Com efeito, afirmam os cientistas que não se pode permitir que as concentrações de gás carbônico extrapolem 450 a 550 partes por milhão, ou o dobro do nível pré-industrial, pois isso aumentará em 3º C a temperatura da Terra, acarretando tragédias, como o descongelamento maciço da Groenlândia etc.

Referido protocolo se constitui, portanto, um acordo ratificado por mais de 160 países com o escopo de atenuar as abissais quantidades de gases responsáveis pelo efeito estufa, que nada mais são do que moléculas com aptidão de reter o calor irradiado pela Terra na atmosfera, aquecendo o Planeta. Os gases cujas emissões devem ser reduzidas são: dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N2O), metano (CH4), hexafluoreto de enxofre (SF6), perfluorcarbonos (PFCs) e hidrocarbonos (HFCs).

Espera-se, com a implantação do Protocolo de Kyoto, uma cooperação internacional para se alcançar o equilíbrio ambiental. Os países signatários assumiram a responsabilidade de diminuir as emissões de gases na atmosfera de 5% a 8%, entre 2008 e 2012, cabendo-lhes adotar mecanismos internos visando tal objetivo, que deve realizar-se em harmonia com a condição sociocultural de cada sociedade e a envergadura econômica de produção destes fatores.

MECANISMOS DE DIMINUIÇÃO

O grupo de nações em desenvolvimento, liderado por Brasil e China, compõe-se de mais de 130 países, que vêm se negando a cumprir metas obrigatórias de redução de emissões. O bloco em questão, diversificado e bastante heterogêneo do ponto de vista econômico, expressa o entendimento de que a responsabilidade maior pelo aquecimento global é dos países desenvolvidos, não devendo os países pobres renunciar ao seu desenvolvimento.

Propõe o Brasil, tido como a potência verde do Planeta, que países com florestas tropicais aufiram compensação dos países industrializados, que se incluem no chamado Primeiro Mundo, e das economias de transição (ex-bloco soviético), pela concretização dos esforços para reduzir o desmatamento. Sugere, também, a criação de usinas hidrelétricas.

Dentre as medidas para redução da emissão de gases poluentes na atmosfera, recomenda-se que a China modernize suas termoelétricas, que consomem carvão, petróleo e gás natural; os fabricantes de eletrodomésticos produzam somente produtos de baixo consumo, e utilizem-se formas de energia mais limpas, como os biocombustíveis e as energias renováveis (solar e eólica). Há que se proceder, ainda, à correta fiscalização das empresas responsáveis pelas maiores emissões, multando quando preciso, mas, sobretudo, determinar-lhes que adotem medidas preventivas, já que não se deve pagar para poluir.

Cada país signatário do Protocolo de Kyoto deverá criar uma política de desenvolvimento que obrigue a adoção do estudo impacto ambiental, visando alcançar padrões sustentáveis de produção e consumo.

As queimadas na Amazônia correspondem a 75% das emissões nacionais e, para conter o desmatamento, já foi preciso acionar até mesmo a Força Nacional de Segurança Pública.

Com alguma dose de razão, declara Rajendra Pachauri, Presidente do IPCC – painel sobre mudança climática da ONU – e ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2007, que países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, devem cuidar de seus interesses mais urgentes, a exemplo do crescimento e do combate à pobreza, pois não é justo deles exigir a mesma responsabilidade na preservação ambiental que outros países em diferentes estágios de conforto e progresso. As responsabilidades não podem ser divididas em partes iguais...

CRÉDITOS DE CARBONO

Créditos de carbono se consubstanciam permissão para emitir, constante de certificado ofertado pelas agências de proteção ambiental, o qual é negociado junto às Bolsas de Valores, pela internet. Em geral, esses créditos são concedidos a grandes empresas de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Cap and Trade é um comércio de emissões, por meio do qual são estabelecidos limites para emitir e os excedentes comercializados entre empresas e/ou governos, de maneira que quem diminuir mais do que seu limite possa alienar direitos de poluição, ou créditos de carbono. Sob a alegação de que não conseguirão atingir suas metas, alguns países preferem investir em outros que possuam uma grande área de florestas, o que torna o Brasil um forte candidato.

Juridicamente, os créditos de carbono são classificados como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis, visto que não têm existência física, mas possuem valor econômico para o homem, já que são passíveis de negociação.

O Tratado de Kyoto alude à possibilidade de se recorrer aos créditos de carbono, chamados de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, contudo, o objetivo do acordo não deve ser olvidado, ou seja, a diminuição das emissões.

Os créditos de carbono permitem a compensação de emissões no aspecto financeiro, mediante aquisição por empresa de país menos desenvolvido, e com áreas de florestamento para absorção do gás, de um certificado consentindo-lhe que continue a emitir elevados índices de carbono no país de origem. Todavia, reduzir-se-á sua meta, já que ficará impedida de realizar emissões no país em que adquiriu o certificado.

860 projetos de MDL já estão em andamento em 49 países. 100 milhões de toneladas de CO2 já tiveram sua emissão evitada pelo mecanismo. China é a nação que mais vende este crédito e o Reino Unido um dos maiores compradores.

O Banco belgo-holandês Fortis pagou 34 milhões de reais à Prefeitura de São Paulo pelo Aterro Bandeirante, concedendo-lhe o direito de diminuir de suas metas o equivalente a 808 mil toneladas de CO2, quantia que o projeto impede que seja disseminada na atmosfera.

O Brasil obteve o primeiro crédito de carbono por plantar mata nativa, em projeto de reflorestamento da AES Tietê – São Paulo, precursor do tipo no Planeta. Para crescer, a árvore usa CO2 presente na atmosfera. Neste projeto, cada tonelada de gás carbônico que sai da atmosfera transforma-se em um certificado e, com a deliberação da respectiva Comissão da ONU, poderá ser alienada a países e empresas que tenham metas a cumprir.

Os créditos de carbono poderão patrocinar parte do desenvolvimento tecnológico. Aliás, as maiores economias do mundo deveriam investir 18 bilhões de dólares por ano em energia limpa, o dobro do que se gasta hoje.

José Goldemberg, Físico da Universidade de São Paulo e um dos coordenadores do estudo realizado por 15 especialistas de diversos países, assevera que a eficiência energética e uma maior distribuição de energia são os grandes desafios das próximas décadas. Segundo ele, "os países desenvolvidos, e também o Brasil, têm muita gordura para queimar em termos de energia, sem prejudicar a qualidade de vida das pessoas". A solução é investir em pesquisas que obtenham a extração do álcool por meio da celulose, com rentabilidade dez vezes maior.

AUSTRÁLIA, ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E O PROTOCOLO DE KYOTO

Não foram somente os EUA que deixaram de aderir ao tratado. A Austrália também não o ratificou. Kevin Rudd, primeiro-ministro eleito em novembro de 2007, prometeu ratificar o Protocolo de Kyoto.

Seu antecessor era terminantemente contrário por razões econômicas, visto que a Austrália é o maior exportador de carvão mineral do mundo, abastecendo mercados como o chinês e o indiano.

Os Estados Unidos da América são o único país industrializado a recusar-se à ratificação, embora respondam por mais de 25% das emissões feitas no mundo, atingindo a posição de um dos maiores poluidores da Terra. A justificativa do Presidente George W. Bush para não aderir ao tratado é que a ratificação afetaria a economia do país, abalando a competitividade. E, ainda, que não será possível adotar compromissos sem que China e Índia assumam obrigações, visto que, atualmente, estes dois países não estão obrigados pelo Protocolo de Kyoto a seguir metas, considerando que precisam emitir para desenvolver-se.

No tocante aos EUA, a previsão é que em 2010 as emissões tenham subido 26%. Em decorrência desta presciência, isoladamente, alguns Estados americanos tentaram criar leis com limites locais de emissão de gases do efeito estufa por carros, mas foram barrados pela EPA (agência ambiental federal dos EUA), sob a alegação de que regras independentes não podem se sobrepor a um pacote sobre energia lançado por Bush.

Suspeita-se que os Estados Unidos queiram criar as bases de um novo tratado para ter controle sobre as regras acordadas. Felizmente, o Congresso americano deverá mudar depois das eleições de 2008, ocasião em que também Bush dará lugar a outro presidente.

PÓS-KYOTO

De 3 a 14 de dezembro de 2007 reuniram-se em Denpasar, Ilha de Bali, na Indonésia, diplomatas de 190 países, inclusive da União Européia, para negociações acerca da elaboração de um novo tratado, em substituição ao Protocolo de Kyoto.

O encontro COP-13 é a décima terceira Convenção da ONU sobre o Clima e, na oportunidade, discutiu-se o regime internacional para redução dos gases causadores do efeito estufa após 2012, ano em que expirará o acordo de Kyoto.

Referido acordo precisa ser concluído até 2009 e suas regras serem implementadas de pronto, pois, se a temperatura subir mais de 2ºC em relação à era pré-industrial, os mantos de gelo da Antártida e da Groenlândia podem derreter, aumentando o nível do mar e inundando cidades como Londres e Recife, por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As recentes calamidades climáticas têm mostrado ao homem sua magnitude em colaborar para tais ocorrências e, ao mesmo tempo, apontado sua pequenez para resolver os problemas que lhes dão origem. Sucede que, para se cumprirem os desígnios deste acordo, é necessário que nos reeduquemos, criando-se uma nova visão social de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente.

A tutela ambiental é reivindicação mundial. Sendo o homem o principal responsável pelas catástrofes verificadas no globo terrestre, deve a luta ser solidária, inclusiva, e com mudanças profundas no tocante ao comportamento humano.

Nesse passo, afigura-se fundamental a cooperação internacional, mediante compromissos assumidos em tratados, com força de lei, visando salvar o Planeta Terra, que, para continuar pulsando e oferecendo qualidade de vida aos seus habitantes, precisa urgentemente de mais ação.

Rafael Vitoreti

Direito e Religião (Um grande dualismo)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A modernidade cometeu dois graves equívocos em relação ao direito. Tentou separá-lo da moral e, mais grave, extremá-lo da religião. O tema nada tem que ver com a laicidade política, fruto da revolução republicana. O Estado pode continuar laico, mas o direito não se concebe no quadro exclusivo do positivismo. Fenômeno histórico e cultural, o direito esteve sempre impregnado de religiosidade. Jamais houve, na Antigüidade, o divórcio entre direito e religião, até porque ambos são fenômenos culturais. A cultura, segundo a teoria a que adiro, tem origem religiosa, pelo menos na perspectiva ocidental, greca-romana-germânica, sintetizada no Cristianismo. Desde tempos imemoriais, a cultura foi sempre o oferecimento divino ao homem de um quadro de potencialidades (die Bildung), tal como ocorreu com Abrahão em Ur, na Caldéia, antes de seu retorno ao lugar sagrado de origem. O surgimento da cultura dá-se sempre por epifanias e hierofanias, reveladoras de uma cosmogonia.

Fustel des Coulanges escreveu um livro (A Cidade Antiga), lido pelos estudantes no começo do curso de Direito, onde se demonstra que todos os institutos jurídicos derivam da religião. A própria família estava ligada às crenças religiosas e aos ritos sagrados dela inseparáveis. Em lugar do "materialismo histórico", há uma "espiritualidade histórica". A história não estuda somente os fatos materiais e as instituições. Seu objeto verdadeiro consiste na alma humana, no que ela acreditou, pensou e sentiu nas diferentes idades da humanidade. O que domina a família e as "cidades antigas" é a religião. Cada família possui os seus deuses lares. O fogo doméstico não é uma metáfora, mas uma realidade. O culto de uma família não se confunde com o das outras. A religião antiga e familiar não aceita o outro pela fraternidade. O outro é um estrangeiro. Os agrupamentos das famílias em gentes, clãs, tribos, ensejam a cidade, mas esta só é possível pelo reconhecimento de deuses comuns. Cada povo tem seu Deus e o seu direito. Desde os tempos de Abrahão, o povo dos hebreus foi mais do que uma raça, porque a ele se podia agregar pelo rito da circuncisão. Pertencer a um povo significava estar sob a proteção de um Deus e submetido a um direito, revelado pela divindade.

Foi o Cristianismo, em sua ecumenicidade, que universalizou o direito, na ação revolucionária de São Paulo: todos são filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo; não há mais judeu nem grego, nem escravo nem homem livre, nem homem nem mulher, porque todos não são mais que uma pessoa em Jesus Cristo, descendentes de Abrahão, segundo a promessa. Essa catolicidade encontraria o ambiente perfeito no Império Romano, vale dizer, na expansão do próprio direito de Roma, não apenas revelado pelos colégios sacerdotais, marcado pela necessidade de colherem-se auspícios, como também consistente (o ius publicum) nas coisas sagradas, nos sacerdotes e nos magistrados.

O direito, na sua gênese e concreção, há de considerar a religião, sob pena de fugir à realidade da vida. Não há muito, houve uma experiência política, em larga escala, que, durante décadas, procurou, com todo o rigor ideológico, afastar a religião da sociedade na qual atuava, atribuindo à religiosidade todos os males sociais. No entanto, como Bóris Pasternak, nos poemas do Dr. Jivago, previu, o grande degelo revelou os templos repletos de pessoas.

Por fim, o direito é obra humana, embora concebido como dádiva divina, e o homem não é somente um ser racional, livre, social, existencial, mas, também, um ser religioso.

Atônito, assisti um professor de direito, afirmar em uma comunicação em seminário jurídico que estávamos ali apenas para oferecer novas considerações para o debate, até porque ninguém é dono da verdade como ela, a rigor, não existe.

Certo que ninguém pode apresentar-se como senhor da verdade e que a própria filosofia com ela não se confunde, sendo, ao contrário, a sua busca incessante.

A posição pirandeliana de uma verdade subjetiva – cosí è si vi pare – assim é que se lhe parece – vale para os assuntos mundanos das peças de teatro, não para as coisas fundamentais da vida, nem para afastar a verdade dos mistérios e da presença do absoluto.

Comecei logo a lembrar-me dos ensinamentos de Goffredo Telles Jr., da adaequatio intelectus ad rem (a verdade formal, a verdade do juízo, a verdade racional) e a adaequatio rei ad intelectum (a verdade ôntica, a verdade do próprio ser, a verdade do ser como algo ideal). A verdade ôntica é a própria beleza: o ser conforme a sua perfeição. Compreendi logo a crítica de Ratzinger ao relativismo, na véspera de sua eleição a Sumo Pontífice. Lembrei-me de Keats – a thing of beauty is a joy for ever. E que o direito como arte (técnica) consiste na busca dessa verdade, que é a justiça que se consuma na movimentação dos juristas em torno da doutrina, vista como um diálogo crítico permanente.

No direito, a verdade também se impõe sem relativismos. Em face de nossa decadência evidente, muitos dizem que esta ou aquela causa pode ser julgada de uma ou outra qualquer maneira; que os juízes dizem o que querem; que pareceres podem ser neste ou naquele sentido oposto; que tudo depende da interpretação. Mas essas diatribes são próprias do fórum, não do direito como arte e como conhecimento do bom e do justo.

Ora, o direito pode ser errado ou não atender aos reclamos de nossa consciência moral, mas precisa ser certo. Entre interpretações divergentes, há uma que é a correta. A opinião vencida pode ser a mais certa (lembremo-nos de Holmes, o great dissenter). O direito se constrói pela dogmática histórica, não pelo ceticismo que afasta a possibilidade da verdade.

Até mesmo quando se diz que quod non est in actis non est in mundo não se está admitindo uma verdade fora do processo, mas tão-somente que os autos contêm elementos suficientes para chegar-se a uma verdade processual, formal, que, na grande maioria das vezes, uma vez observados os princípios democráticos do processo, está conforme à verdade real.

A própria idéia da coisa julgada, como insubstituível garantia da estabilidade das relações jurídicas processuais, não se alicerça no famoso brocardo res iudicata pro veritate habetur, porque ele no direito romano não se referia à sentença do iudex ou arbiter, mas ao bem da vida em discussão, o qual o pretor considerara relevante para justificar o exercício da jurisdição.

Rafael Vitoreti