Brasil, Uma Ditadura Pós Moderna!

terça-feira, 27 de julho de 2010

"Nesses tempos pós-modernos, o Brasil envereda por uma ditadura ‘quase invisível’ e de difícil constatação para o cidadão comum, porque ela se apresenta sem as características de épocas passadas. Nos antigos regimes autoritários, nem tão antigos assim, inexistiam eleições diretas para os governantes, os opositores eram perseguidos e ‘desapareciam’, os braços armados do Estado impunham o controle social e a imprensa era censurada, encobrindo as barbaridades dos donos do poder.

Os três poderes do Estado eram concentrados nas mãos do ditador, chamado de presidente, digno representante da elite econômica do País, apesar de existência formal do Legislativo, Executivo e Judiciário. As ditaduras passadas patrocinaram, ainda, anos perdidos, em virtude de políticas econômicas suicidas, onde o povo era exterminado, paulatinamente, a cada plano econômico, e o País abdicava de sua soberania para ser ‘defendido’ pelo ‘Tio Sam’, paladino da perversa economia de mercado e combatente dos ‘endemoniados’ socialistas.

Para o pensador italiano Norberto Bobbio (1986), a democracia dos idos atuais caracteriza-se pela alternância de classes dominantes no poder, mostrando, assim, a sua descrença na chegada dos dominados àquele, mediante os mecanismos da democracia burguesa. No Brasil, desde o golpe de 1º.4.1964 não existem mudanças de elites no poder, somente uma persiste encastelada ali."

O formato atual do Estado, com a existência de três poderes inde-pendentes e harmônicos, surgiu devido às revoluções burguesas para dar fim à acumulação das funções estatais na pessoa do rei absolutista. Todavia, recentemente no Brasil, assistimos a um fenômeno inverso, ou seja, o retorno, em padrões "inovadores", da concentração dos poderes do Estado no chefe Executivo, originando, assim, um presidencialismo imperial ou uma ditadura pós-moderna.

Nas ditaduras atuais, o presidente imperial não pode ser contrariado, vigora o "mito" da idéia única, encarnada na "glória" da economia de mercado, com sua sanha consumista e na implantação da globalização, ou melhor, da renovação do pacto colonial em bases pós-modernas. Ser oposição, ou simplesmente discordar, é um sacrilégio, gera reações dos detentores do sistema, via seus veículos de comunicação, orquestrados para perpetuar a domesticação social e ridicularizar os inimigos. Isto, sem contar com os cortes de verbas e os rigores da lei para os adversários.

Os Poderes Legislativo e Judiciário também não exercem as suas funções de fazer as leis e julgar os conflitos sociais, respectivamente, como idealizou Montesquieu. Em nosso "autoritarismo civil", o Executivo subtrai do Legislativo a missão de legislar por intermédio da eclética representatividade de seus pares, editando as vergonhosas medidas provisórias, que de provisórias só têm o nome, e igualmente os famigerados decretos-leis das ditaduras Vargas e militar, normatiza todas as matérias de Direito, desobedecendo à Carta Magna de 1988 (art. 62).

O Legislativo não só permite o uso arbitrário das medidas provisórias, mesmo tendo competência constitucional para frear os abusos, exigindo o cumprimento dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, mas, também, curva-se, em sua maioria, aos caprichos do rei/presidente, votando de acordo com seus desejos, em virtude da força extraordinária do orçamento estatal (onde se distribuem benefícios aos aliados), da distribuição fisiológica de cargos públicos, e para manter o sistema socioeconômico excludente para inúmeros e benevolente para poucos. Caso o legislador não vote ao sabor das ordens do "soberano", provavelmente cairá no ostracismo, será execrado pelos donos do poder e varrido do mapa político na próxima eleição.

O Judiciário, em nossa ditadura pós-moderna, também perdeu a independência para julgar os conflitos à luz do Direito. As escolhas dos membros dos tribunais superiores, por vezes, não obedecem aos critérios de mérito pela carreira jurídica, mas sim a outros, tais como a capacidade do escolhido em "juridicizar" os atos do Executivo. E em alguns julgamentos, as decisões prolatadas não estão de acordo com os comandos constitucionais, e sim com a vontade política dos dominantes (STF e o apagão).

As eleições no presidencialismo imperial são utilizadas como fantasia social, seus resultados são previsíveis, ganham sempre os homens do regime, e quando são imprevisíveis, mudam-se as normas eleitorais. Ademais, é freqüente os ocupantes do poder, via manobras múltiplas, escolherem seus adversários dentre os opositores, e desta forma encenam o jogo democrático, garantem o discurso de autoridade e impõem a pseudolegitimidade de um governo, nitidamente privado, em que o dinheiro é o grande precursor da democracia.

Como no passado, a ditadura pós-moderna gera milhares de seres humanos descartáveis, implantando o holocausto social a cada política econômica genocida, efetivada ao prazer do "poder invisível", ou melhor, do poder econômico privado, os reais ditadores e donos da nação, já que para eles a divindade é o lucro, e as trevas, o bem-estar social entre os homens.

O "autoritarismo civil" da atualidade continua pagando uma dívida externa impagável e já paga, há muito tempo, por nós. Graças à mágica dos juros extorsivos, a dívida só aumenta. Portanto, continuamos curvados diante do cassino global dos bancos internacionais, liquidando nossas riquezas naturais, aniquilando a soberania e semeando a miséria, para pagar o que não mais devemos.

"Por sinal, não é por obra dos deuses que a miséria aumentou no País. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU de 2001, o Brasil está no 69º lugar, das 162 nações pesquisadas, atrás da Argentina, em grave crise econômica desde o final do século passado, e da Colômbia, em guerra civil há anos. Em matéria de acesso da população aos avanços tecnológicos estamos, também, pessimamente colocados, ou seja, no 43º lugar, entre 72 países investigados."

O megapoder do Executivo tem inúmeras razões de ser, mas explica-se, em parte, pela necessidade de o Estado intervir no domínio econômico e social, numa economia de mercado, onde a lei de oferta e procura não funciona naturalmente, ficando inviável aquela sem a ação estatal, devido às demandas e interesses plurais e conflitantes, sempre à espera de normas adequadas e imediatas. Sendo o Legislativo naturalmente lento, pela sua diversidade de representação política, e pouco familiarizado para normatizar tais interesses antagônicos, principalmente as matérias econômicas, a missão foi "absorvida" pelo Executivo.

A execução do orçamento pelo Executivo é ainda um grande instrumento do agigantamento de seu poder. Por intermédio do gasto do dinheiro público se ativam ou inibem setores da economia, influenciando o processo produtivo, podendo gerar, assim, riqueza para alguns e aparthaid social para muitos, ou a cassação dos privilégios de poucos e a justiça distributiva para todos.

De acordo com o nosso Direito positivo, a lei de orçamento depende da do plano plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, todas de competência exclusiva do Executivo para sua iniciativa, e apesar de serem aprovadas pelo Legislativo, tal competência reforça, ainda mais, o megapoder daquele.

Paralelamente, o Judiciário não está aparelhado para julgar os conflitos que envolvem as normas de Direito Econômico, nem para enfrentá-las. A sua lentidão e seu pequeno envolvimento com tais normas levam à insegurança jurídica, dilatada pelas constantes mudanças e especificidades técnicas daquelas, facilitando, assim, as aberrações legais e o avanço do presidencialismo imperial.

Hoje, apenas a existência formal dos três poderes não garante mais a separação das funções do Estado, nem muito menos a democracia. Mesmo porque o Estado ganhou outras competências e missões, sendo ineficazes os atuais três poderes para dar sustentáculo à democracia.

Existe a necessidade de criarmos novos centros estatais de poder, democráticos, eficazes, com participação social plural, e dotados de capacidade de decisão, para juntarem-se aos três poderes de Montesquieu. Um deles poderia ser o "Poder Econômico", ou seja, o 4º poder, que seria implantado nos municípios, Estados e União, com a função de regulamentar suas políticas econômicas, contribuindo assim para o definhamento das ditaduras pós-modernas, bem como de seus mecanismos e tecnologias de dominação, próprias da sociedade do século XXI, a fim de conquistarmos uma democracia real e socialmente justa.
Rafael Vitoreti

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