A relação médico-(mídia)-paciente

quarta-feira, 24 de março de 2010


Houve uma época em que médicos e pacientes viviam em completa harmonia. Médicos eram bem quistos pela sociedade, que os retribuíam com convites para festas de aniversário, para o lanche da tarde junta às famílias de seus pacientes, recebiam gratificações como galinhas, frutas, grãos de certas colheitas numa forma de pagamento que mais tinham de manifestação de afetividade que de outros interesses. Eles, os médicos, nada exigiam dos pacientes além da oportunidade de exercerem a medicina plena. Nada exigiam, os pacientes e familiares, dos médicos além da atenção despendida e do esforço para a cura das doenças que mitigavam a saúde daqueles enfermos. Essa época deve ter sido boa! Hoje sobram, segundo os otimistas, algumas dessas manifestações em áreas longínquas pelo interior de nosso país, talvez. Alguns médicos, segundo esses, ainda trabalhariam apenas pela oportunidade de servirem à medicina. Alguns pacientes ainda não esperariam nada além do esforço e atenção do ‘’doutor’’. Mas, com o advento da comunicação em mídia impressa, televisiva, ou outras quaisquer, essa história foi se perdendo. Interesses escusos passaram a se misturarem aos caminhos da relação médico-paciente. Médicos e pacientes se digladiam nos canais de televisão, uns acusando os outros, uns querendo mais e mais do outro, numa relação doentia de mercado, em quem todos querem ganhar algo em troca, que nunca deveria fazer parte do trabalho médico, mas infelizmente passou a fazer e a estigmatizá-lo.

Hoje, muitos têm medo dos médicos, outros têm raiva, outros inveja, poucos persistem na admiração e respeito – embora algumas pesquisas apontem para o contrário, mas ainda teimo em ser descrente quanto a isso. Muitos médicos não conseguem se dedicar adequadamente à medicina e, por conseguinte, aos seus pacientes – dizem uns ser devido à falta de tempo, excesso de pacientes, pelo sistema de saúde em pura calamidade. O que é fato, hajam pesquisas ou não sobre isso, médicos e pacientes se distanciaram e se distanciam cada vez mais. Não se ouve mais – ou ouve-se muito pouco - sobre médicos que visitam seus pacientes, que aceitam doações repletas de afeto (frutas, galinhas, presentes quaisquer) na forma de pagamento ao invés de dinheiro ou algo que o represente. O que nos distanciou de nossos pacientes? Algo há entre nós! Esse ‘’algo’’, creio eu, é explícito e faz parte de nosso cotidiano: a mídia. Somos, como médicos, alvos de repórteres inescrupulosos e sensacionalistas que querem apenas ver suas reportagens no ar - ‘’doa a quem doer’’, diria o jargão popular. A busca pelo ibope da mídia passou a andar na contramão da relação médico-paciente. Médicos são acusados de errar, como se errar fosse algo inconcebível, até mesmo desumano.

Reportagens em todos os horários, em todos os jornais, tentam denegrir a profissão médica. Tornam os médicos verdadeiros culpados perante a sociedade. Fazem nosso povo ver em nossa profissão um amontoado de homens e mulheres cheias de dinheiro e que querem apenas mais e mais dinheiro pelo atendimento aos enfermos. Daí, os antigos ‘’advogados de porta de cadeia’’ mudaram de endereço, habitando hoje nas portas dos hospitais à espreita, aguardando uma oportunidade de convencer um paciente de que a morte de algum ente querido tenha ocorrido por erro daquele que recebeu dinheiro para salvar o enfermo, merecendo, assim, ser processado e humilhado diante dos jornais. Não se importam em saber os motivos que levaram ao possível erro, o que estava por trás do óbito ou da seqüela de um paciente. Apenas é vista a oportunidade de culpa para o médico. Volta-se à idéia de que médicos não erram ou que não podem errar. Por vezes, penso: aonde iremos parar? Nossos pacientes se afastam de nós e passamos a aceitar de braços cruzados os noticiários da mídia que nos estigmatizam. Nada se fala dos médicos que estudam por seis anos, fazem em média mais 2 ou 3 anos de residência, totalizando um total de quase 10 anos de estudos para à dedicação mais competente aos seus pacientes. Não são lembrados os médicos que trabalham em plantões durante as madrugadas, que atendem de forma gratuita em instituições de caridade, ou que se dedicam a movimentos humanitários como os Médicos Sem Fronteira, por exemplo, para não citar outros. Nada falam dos médicos que ainda aceitam aqueles ‘’presentes’’ na forma de pagamento por seus atendimentos (Opa, sim, sou um daqueles otimistas! Creio, ou melhor, tenho certeza de que esses médicos existem).

Nada se faz pelos médicos que são acusados em rede nacional e depois prova-se sua inocência. Jornalistas podem acusar os erros dos outros. Juízes podem condenar médicos por seus erros, mas não deveríamos pensar que jornalistas também erram? Que juízes também erram? Sim, existem os erros dos jornalistas, os erros dos juízes, dentre os de outras profissões, não apenas os erros médicos. Todos erramos. Juízes condenam inocentes, inocentam culpados e vigaristas. Jornalistas se sujeitam a denegrir inocentes a fim de terem reportagens polêmicas que tragam ibope aos jornais. Todos somos corroídos pelo erro, em menor ou maior grau. Mas não se erra, creio eu, de forma consciente. Mas, não posso me enganar: todos erramos. Somos humanos e sempre seremos. Sejamos médicos, pacientes, jornalistas, juízes etc. Que nossos pacientes voltem a nos olhar com bons olhos mais que às reportagens sensacionalistas. Que nós, como médicos, sejamos cada vez melhores como profissionais – para nós mesmos e principalmente para os que estão enfermos. Que o jornais passem a respeitar os profissionais médicos e, atentem-se ao fato de que também existem os ‘’acertos médicos’’ – embora, na mentalidade desses jornalistas, esses ‘’acertos’’ não consigam aumentar o ibope.

Bom, para nossa sorte, ainda existem médicos que querem simplesmente exercer a prática médica e serem úteis aos seus pacientes. E, também para nossa sorte, nossa população tem percebido que os jornais são, sim, sensacionalistas. Um dos exemplos interessantes e recentes que temos seria o programa E24, que é visto num emissora de TV de grande porte de nosso país. Nesse programa todos conseguem perceber o quão difícil é ser médico num sistema de saúde em calamidade.

Sonhar que aqueles tempos de outrora onde havia completa harmonia entre médicos e pacientes deve ser prática diária de todos nós acadêmicos de medicina. Queiramos ou não, somos vítimas de críticas de jornalistas e de outros profissionais, mas, se estivermos sendo alvo dos elogios de nossos pacientes, isso já nos basta! Para eles (nossos pacientes) formamos, por eles trabalhamos, como eles morreremos. E que, enfim, aprendamos a aplicar a máxima: ‘’amar ao próximo como a ti mesmo’’. Assim, médicos e pacientes serão parte de um futuro harmonioso e duradouro.


Pedro Guisax

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